Você é quem te come
Seu complexo de vítima não é tão sexy quanto você pensa que é… só avisando
Eu acendi uma vela cor-de-rosa, com alecrim e um bilhete; analisei obsessivamente o mapa do céu; re-conversei todas as conversas; pratiquei todos os olhares já trocados; paguei por um jogo de tarô mesmo que eu saiba ler tarô sozinha.
Falando a língua dos céticos, eu também paguei uma sessão de terapia extra e estou guardando o desejo de fazer duas sessões por semana. Isso cansaria minha psicóloga de me ver chorando, como minhas amigas já enjoaram. Ninguém mais atende as minhas ligações. Ainda ligo para as minhas irmãs e é com elas que sempre desabafo. E está decretado. O laudo saiu. Eu sou o maior problema que já me surgiu!
Sabe aquela amiga que tem “dedo podre”? Com certeza, eu tenho um gosto por pessoas que não se entregam tanto quanto eu. E, mesmo quando aqueles que amo não retribuem o sentimento, estou compondo uma parte do problema. Um vínculo é um trabalho em grupo, afinal. Estamos tecendo a tela juntos, mas estou sem fio o suficiente.
Meus fios faltam porque também não estou me atentando a quantidade de fios da outra parte, então uso os meus para recompensar a falta do outro. Quero me explicar e me explicar, quero que você me aceite, já que eu não me aceito… Uma vez, meu ex me disse “calma, não precisa fazer tantos disclaimers”, mas para a Princesa Perversa que me habita, eu preciso de todos os disclaimers do mundo!
Desenho muitos parênteses porque quero ser compreendida conscientemente, mas inconscientemente, suplico para não sofrer mais com a solidão de não ser compreendida. Eu me rejeito primeiro e tanto o faço que consigo te fazer me rejeitar também.
Peço aos céus para não me despedaçar por nenhuma amizade, por nenhum namoro, ou pelo meu relacionamento com a minha mãe. Eu me amaldiçoo, sempre pensando no pior cenário: aquele em que sou abandonada, então fujo o mais rápido que posso.
A Teoria do Apego foi nomeada pelo psiquiatra e psicanalista John Bowlby. Ela é uma opção divertida para testes de personalidade e foi por isso que entrei em contato com essa teoria, aos 17 anos. Fui uma usuária constante no site do Buzzfeed, dá para notar.
O resultado que obtive com o Attachment Style Test ressoa com a maneira em que lido com meus relacionamentos ainda hoje e foi o que me fez notar: sou eu, a marionetista calculando meus próprios movimentos, mas ainda aceitando que bonecos incompletos entrem na minha casa de papelão!
Para Bowlby, os seres humanos são impulsionados pela necessidade de conexões emocionais. No desenvolvimento infantil, é apresentada uma série de comportamentos a fim de formar vínculos com nossos cuidadores e amiguinhos da creche. Essas tendências seriam, segundo Bowlby, programadas biologicamente e, conforme as circunstâncias da criação, desenvolveriam um padrão de relacionamentos e um comportamento de apego no indivíduo.
Aqui está o meu comportamento de apego: eu confio em mim, não em você. Sou um caso perdido! Não quero ser vista ou conhecida, então se você tenta me conhecer, empurro-te para longe. Se você não vier atrás, eu me anulo para encaixar ao seu lado. Quero ter sua aceitação, mas estou consciente do meu mau caráter; se você se importar, vou te rejeitar; se você me ignorar, vou correr atrás. Você me ama? Até parece! Ninguém sabe cuidar de mim como eu… sendo que estou tomando um gole de veneno por dia e esperando que o outro morra.
Já meu padrão de relacionamentos é esse: parceiros que evitam me conhecer, parceiros que não entram em contato com as próprias emoções e necessidades. Eles não se importam consigo, então… por que, exatamente, importariam-se comigo? É a mesma lógica das linhas para costura - se meu parceiro não tem linhas, com o que vai fechar nossas cicatrizes? Ele não vai me tratar bem, eu sempre sei. Isso é receita para manipuladores se acomodarem na minha casa de papelão. Eles tem linhas o suficiente, mas usam as minhas em vez das próprias.
Quando eu e meu namorado nos deitávamos no sofá, ele dormia com a cabeça no meu peito, enquanto eu contemplava o teto. É nesse momento em que saio do meu corpo e viajo para um mundo imaginário em que sou amada. No mundo real, meu cérebro atrai pessoas que não têm nada para me entregar além de promessas já desfeitas. Estou programada para aceitar que nada jamais vai me restar.
Eu posso me entregar para qualquer necessitado, mas apenas receber de alguém exatamente como eu.
Serei seu sino mensageiro, coletando a vida que você desperdiça no chão; vou bagunçar o seu quarto e te ligar de madrugada. Estarei existindo, por todos os segundos, apenas para decorar a sua vida. Quando se cansar, pode me descartar — como os outros já fizeram. Costurarei minhas cicatrizes, até que outro artista me encontre para me desenhar com novas cores.
Sou feita de materiais especiais, os quais aprendi a desparafusar. Eu posso sempre me re-criar para me encaixar em seu mundo… ou qualquer outro mundo de quem prestar minha utilidade.
Em 1978, foi proposto pela psicóloga Mary Ainsworth um experimento de apego entre bebês, suas mães e uma desconhecida. Ele se chama The Strange Situation.
Existem alguns tipos de apego. Adivinhe o seu agora!
Apego seguro: ficam confortáveis com a intimidade, a revelação que a vulnerabilidade traz. Sem a mãe presente no ambiente, essa criança consegue continuar a brincadeira mesmo que angustiada. Quando a mãe retorna, ela busca por conforto em contato físico e pode dar continuidade à brincadeira em dupla. No artigo A Secure Base to Explore Close Relationships, os co-autores – Everett Waters e Mark Cummings – teorizam que crianças com apego seguro têm a independência encorajada, são devidamente monitoradas e recebem instruções.
Apego resistente/ambivalente: possuem preocupação excessiva com o abandono. Sem a mãe presente, essa criança não consegue brincar ou se acalmar. Quando a desconhecida o conforta, o bebê se entrega. A mãe volta e tenta se engajar na brincadeira, mas o bebê demonstra clara preferência pela desconhecida, que nunca saiu do quarto.
Apego evitativo: evitam depositar confiança no outro e têm aversão à intimidade emocional. Esse bebê pouco interage com a mãe durante a brincadeira. Quando ela se retira, ele se mostra desinteressado na desconhecida. A mãe volta e pode até ser ignorada pelo bebê.
Mais tarde, em 1990, Mary Main e Erik Hesse revisitaram essa teoria e identificaram um quarto estilo de apego:
Apego desorganizado: apresentam contradições no comportamento. É um espectro de apego resistente e evitativo. Os bebês apresentam irritação ou pouca sensibilidade aos estímulos da brincadeira com a mãe. Eles demonstram confusão mental porque oscilam entre aproximação e afastamento, mostrando pouca ou nenhuma inibição ao conforto que a desconhecida traz após a saída da mãe.
O Apego Desorganizado foi, em 2004, identificado como um comportamento comum entre vítimas de abuso e maus tratos infantil.
Quando eu ainda estava no colegial, tinha muita raiva dos meus pais. Minha psicóloga disse “nós esperamos que nossos pais cumpram um papel específico em nossas vidas. É normal ressentir o que eles não fizeram por você”.
Levaram anos para eu notar que muitos acontecimentos da minha infância não foram a realidade de outras crianças. Em um trabalho de arte na faculdade, onde eu e meu amigo, Matheus, desenhamos uma mente infantil e escrevemos palavras que resumiam a infância. Eu escrevi em cursivo “Solidão”. Ele me olhou torto. Matheus disse que nunca se sentiu solitário na infância… mas que era “de boa” eu ter esse ponto de vista. Foi uma surpresa para mim porque, na minha cabeça, ser criança é igual a ser minúscula em um mundo de gigantes barulhentos, que babam nos nossos rostos e apertam nossos corpos.
Adulta, descobri que sou uma coitada. Não sei manter vínculos, só sei rasgar as páginas viradas.
Então, eu fui me arriscar, tentar fazer diferente. Comecei a sair em encontros românticos. Tudo era hor-rí-vel! Beijos que me faziam pensar “acaba pelo amor de deus!!!!!”, toques intrusos… eu bebia álcool e continuava cansada de conversar. Sempre chegava em casa pensando “saco… tenho que responder esse grude no Whatsapp”.
Sem perceber, eu odiava ser amada. Aí resolvi, também sem perceber, trocar de pólo afetivo.
“Nossa, quando será que vai me mandar mensagem?”… “Vou me ocupar com alguma coisa para não ficar ansiosa”. Disso, foi para “Ah, eu não quero nada sério, não… quero só me divertir também!” — sendo que eu estava anotando possíveis nomes para os nossos filhos.
Silêncio para a confissão de pecado… Rufem os tambores!
Já me apaixonei por pessoas que estavam dentro de relacionamentos sérios.
Tudo isso porque 1) eu devo ser histérica ou sei lá! 2) Se ninguém nunca me escolheu na vida, quero pelo menos ser escolhida no puteiro.
Goze em mim, não por mim! Eu não gosto que me desejem… é nojento e incomum ser admirada.
Mas, Jesus, Você tem os lábios mais doces do que Judas. Posso manter sua cama quente, senão, serei inútil. Não é de fato o que eu quero, pois quem escolheria esse futuro?
Eu hein… se não significo nada para ninguém, foda-se eu! Sou a fatia se uma torta de carne pronta para ser mastigada e expelida. Sou merda.
Tá! Sem drama, entendi.
A questão é, se você nunca foi escolhido, essa necessidade desesperadora de ser amado, visto, e de significar alguma coisa, não é uma ilusão ou um conjunto de emoções que devam ser ignoradas. Vamos falar sobre isso! Precisamos nos aceitar e aceitar a transformação!
Merecemos encontrar pessoas que estejam lá fora para nos abraçar depois que passamos por um ciclone de emoções. Não podemos sair do nosso ciclone e ser pegos pelo ciclone de outra pessoa. Ela está tão perdida entre os ventos, que mal vai notar quando você cair do céu. Ela ficou tão perdida entre os ventos, que mal aproveitou sua presença — por isso ela não se importa o suficiente.
Quando algo nos derruba inesperadamente, começamos a questionar “Por que? Por que? Por que?”. A constante busca pela razão é a constante negação da realidade. O porquê não cabe a ti, mas é a partir dele que inicia seu questionamento e a busca por algo maior. O que é maior que nossos corpos nus e feridos, rastejantes na pedra fria que arranha o abdômen? O HORIZONTE! Não o sofrimento.
Se você respondeu algo relacionado a sofrimento, tirou 0 na prova. A dor cabe na palma da mão.
Meu Arcano Pessoal é a Estrela, representada por Pandora, da mitologia grega. Sempre que me chateio, fico invertida: volto-me aos horrores libertados pela caixa e esqueço da esperança ao fundo. Vejo minhas crenças negativas como fatos cristalizados e que me condenam ao sofrimento eterno.
Mas acreditar não ser o suficiente é uma profecia auto-realizadora e eu não quero viver minha vida ponderando o que os outros pensam ou não entendem.
Nós agimos como agimos porque, se não notamos os passos tortos, como vamos olhar para as pegadas deixadas para trás? […] Convivendo com o Diabo, é uma batalha constante a cada manhã. Depois de acordar, é preciso conversar, mas não sei o que dizer. Eles falam “eu não tenho tempo pra você”. Eu nasci na estrada errada e estou tentando me resolver, mas sempre fui mal em matemática.
Uma profecia auto-realizadora é tudo o que venho falando neste texto. Nossos pensamentos são correntes de lã; tecemos a partir das nossas experiências.
Se você acredita, como eu, que não é amável, há uma corrente inteira para solidificar essa crença.
Exemplo hipotético: se minha mãe esquecia de me buscar na escola - E eu tive poucas amigas no prézinho - E teve aquela vez que eu briguei com um amigo e todo mundo ficou do lado dele - E aí, numa noite, meu pai gritou comigo e disse que eu não poderia assistir o jogo com ele - Daí meu primeiro namorado disse “Não é você, sou eu” - DEVE SER PORQUE EU SOU UMA PESSOA HORRÍVEL!
A partir disso, você vai se colocar em situações em que essa crença se confirmará. Exemplo hipotético 2: Surta de raiva com todos os seus amigos até que eles decidem se afastar de você. Isso faz de você, UMA PÉSSIMA PESSOA!!!!
Acredita nisso? Agora você se fodeu porque a profecia auto-realizadora é um ciclo vicioso. Ou você aceita que faz parte do problema ou sofre em um loop de montanha-russa num parque móvel.
Vivo ciclicamente a história de Psiquê.
Quero você, mas te quero faltando. Não venha atrás, não volte, evite-me. Não me faça gozar, você vai perder a graça. Para sempre, atravessarei o submundo para encontrá-lo e, para sempre, você vai correr para os braços da sua mãe. Sou a minha maldição.
Na astrologia, seu par amoroso pode ser representado por Amon-Rá — ou Júpiter ou Zeus. Ele está posicionado, em meu Mapa Astral, justamente onde eu, Flávia, guardo minhas expectativas.
Para mim, ciências, política, sociologia, filosofia, espiritualidade, educação, literatura, escrita, viagens, sociabilização e o desenvolvimento do hábito de considerar as mil nuances de um pensamento — é onde eu odeio me decepcionar. Novos estudos e experiências são muito sérios para mim. Não posso brincar com nada disso! São assuntos sérios tanto quanto a Virgem Maria é para um católico.
A minha mãe é católica, eu não, mas amo a Virgem como amo minha mãe. A mãe, na astrologia, representa o “Demônio da Escassez” em meu Mapa Astral.
Tanto tempo fiquei distante de minha mãe, que me senti exilada da Sociedade Feminina. Eu quero impressionar todas as mulheres, mas me esforço ao mesmo tempo que tenho muito medo de ser uma mulher falsa. Não me refiro a uma mulher de falsas intenções, estou falando literalmente de uma mulher falsa. Tenho tanto medo de que descubram que sou uma impostora, uma não-cidadã. O que é ser mulher? Não sei como me comportar e, a razão disso, deve ser a rejeição que sentia da minha mãe quando éramos mais jovens.
Há um lugar em mim, uma casa invisível. Enquanto sonho acordada com minhas expectativas e as possibilidades que Amon-Rá oferece, jogo todas as tralhas emocionais na Casa Invisível. Minha mãe me deixou esta casa vazia, com paredes rachadas e uma goteira constante no quarto. Não há mobília ou seres vivos aqui — já desisti de convidar as aranhas para me encherem de teias. É tão solitário… por isso, sonho com os braços de Amon-Rá.
O Demônio da Escassez que há em mim se rasteja pelo Novo que o horizonte apresenta.
Uma merda acontece, procuramos a saída… ou pensamos em morte. Nosso cérebro costuma questionar: luta ou fuga?
E quando há esperança de lutar e vencer, essa carta aparece no jogo:
O Príncipe de Paus é corajoso, é vivaz e aventureiro. Ele quer experimentar e conhecer o que há de novo nesse horizonte desértico. Ele está confiante e determinado de que encontrará seu Oásis se for atrás de um. É só explorar suas capacidades, lute! Seja menos como eu, pare de fugir da sua paixão.
Até porque… quando você julga o próprio desejo, está desvalorizando a si mesmo! E odiar a si é um mico; você fica aí beijando o chão dos outros e deixando que eles tomem decisões que deveriam ser suas! Depois os vilaniza. Mas parece que a única vilã aqui é você… denominador comum de todos os seus problemas.
É como se você fosse uma tarefa que as pessoas gostariam de adiar, pois não se sentem preparadas para lidar com o que você está propondo.
Eu e você - ajoelhadas numa almofada bordada, oferecendo uma aliança que nem nós saberíamos sustentar.
Obviamente, não é errado desejar alguém que não te escolhe… essa pessoa deve ter questões emocionais a serem resolvidas também, ou só não gosta de você tanto assim. Pode ser difícil de aceitar, mas há situações em que ela não vai nem
mesmo se escolher, em primeiro lugar.
Eu não sou o centro da vida de todo mundo
…né?
Brincadeiras à parte, precisamos olhar para nossos sonhos distantes da janela da Casa Invisível, cientes de que ainda estamos nela. Entendem o que quero dizer? Não adianta de nada viver mentiras, como a Psiquê viveu por um momento.
Que também não fiquemos só na janela. Isso é uma ordem: não fique sempre na janela. É bom sair para tomar um sol, pisar descalça na rua e conversar, conhecer.
E que lembremos: se ficarmos só na janela, vamos namorar somente a Lua, que vai desaparecer na aurora; se ficarmos só na rua, namoraremos bastante!
Minha bisa recomenda namorar várias pessoas para todos! Diz que namorou tanto que chegou a apanhar de namorado.
Ok, que namoremos muito, mas não se esqueça de voltar para si sempre que estiver com outros; eles são espelhos… acho que o Lacan disse isso. Se você não está bem com o outro, talvez alguma goteira esteja pingando em casa.
Obrigada por me ler, isso me aproxima de Amon-Rá.









Porra, Flávia, eu realmente não gostaria de passar um dia na sua cabeça (ela é muito parecida com a minha!!). SENSACIONAL 🤌🤌🤌
Esse texto conversou tanto com tudo aquilo que venho sentindo e descobrindo sobre mim! Sem sombra de dúvidas vou lembrar de suas reflexões com carinho