UlisseS
Um breve devaneio.
Várias bolhas fazem-me coçar o colo, entre as clavículas e ao redor do coração em chamas. Para mim, não é preciso derrubar o Leão de Nemeia, faça juz ao sangue vermelho em suas veias.
Meus músculos não foram treinados para levantar o peso do seu e do meu corpo. Carrego apenas o essencial, então não quero essa sua força superficial. Estou num momento de descanso, deitada sobre o túmulo, metaforicamente. As espadas ao meu lado não são ameaça, são lembrete. Você não se aproxima porque ainda não se deixou ser valente. Tornou-se pedra no caminho das minhas ondas, em você, eu me quebro.
Em tenra idade, fui possuída por impetuosidade
Vim balançando como uma ave presa entre grades
Fui convidada pelo Diabo para mergulhar em seu lago
E ali, ele me largou, solitária.
Eu preciso pensar e descansar, mas seu escudo bate e bate contra meu ombro, para chamar minha atenção ou se defender de um ataque que ainda não desferi. Ainda não conclui… distraída com a tentativa de ignorar os hematomas. Exaustei só de fingir.
Eu choro para largar; eu bebo para largar; eu minto para largar; quando transo, é para largar. Tudo o que desejo é desunhar, desprender, despregar. Tudo o que eu quero é esvaziar o meu corpo tão cheio das nossas tralhas. Quando vai parar de me estranhar?
Juntos, eu e você poderíamos erguer reinos e nem sou monarquista... mas temos uma força jamais vista. Sei que com sua mão apertada à minha, cessaríamos fogo; um pé d’água alagando queimaduras, especialmente a que beliscou a minha floresta — fiquei acinzentada e nada mais me resta.
Não pretendo mais fazer sentido, sou metade humana, metade bicho. Você discorda com tudo o que digo, quero mostrar um novo caminho onde você não precisará caminhar abscôndito.
Descansando a cabeça nas rochas, eu penso que nada poderia ser diferente em uma segunda tentativa. Você teme o heterodoxo, o que foge do dia-a-dia. Discorde mais uma vez, é assim que sei quando mentes. Eu converso com seu ego, mas não trocarei uma palavra com o herói que pretendes ser. É um homem muito egoísta, que tem medo de se saciar no que eu tenho a oferecer. Percebo em seus olhos, o pavor de enfiar o rosto nos meus órgãos expostos e minhas bactérias visíveis a olho nu… será que é nojo de se molhar em sangue azul?
Você sabe que se eu exibir o que vai abaixo do quadril, vai encontrar os infinitos elefantes brancos que materializam meu espirito, hei de lhe possuir num ímpeto. Eu te sirvo o etéreo na bandeja de prata, convido-te à transcendência e você prefere olhar para dentro dessas estacas que compõem a estrutura de madeira degradada. Método de sobrevivência ineficaz e nada esperto… prefere sentar naquele mesmo trono desgastado do que se sacrificar em mar aberto. As flores e as plantas estão mortas e tortas ao seu lado. Acha que pode mudar de vida, mantendo-se isolado?
Quando esquece do necessário, não saúda o fio de luz nas águas verdes. Diz que não confia nela, porque ela muda oito vezes por 12 meses. Você tem medo do efêmero, do impalpável, do que não se pode estudar. Quer terra firme onde possa estagnar sua âncora, enganar-se com Ouro e morrer sem se molhar.
Eu percebo sua familiaridade com barcos cheios de ratos quando te assisto, da costa, nadando no mar gelado, procurando cabelo para ter onde ser amparado. O nado enfraquece e você acaba se afogando em um oceano tão bonito, que mal o entende apenas imaginando. Precisa abrir os olhos para o sal e perceber que nem tudo cabe na maleta de viagem. Algumas coisas se tratam de emoções inegociáveis, pulando e mergulhando, são nossos amores os peixes voadores.
Entenda, meu amigo, que é com calma que se respira dentro d’água. É de me provocar risada, tamanha pressa de viver! Você é jovem e arqueiro, consegue navegar até onde sua flecha pousar, mas precisa ter paciência. Nem sempre é fácil se encontrar, você não precisa de evidências ou um mapa com um X pintado como esconderijo do tesouro. O valor está em se deitar e acordar com aquele besouro-rola-bosta em cima da sua bota.
Você precisa mesmo me ouvir cantar e, sua boçalidade, jogar no convés como se fosse uma calça. Desabotoe a camisa de uma vez e espero que não se importe com a minha nudez. Entrega e vulnerabilidade são casualidades.
Olhe para dentro de mim, encontre a poça que reflete sua face em silhueta, tapando o raio solar que se põe na paisagem. É valioso quando se vê em quem te enfraquecer.
Mas por favor, nunca clame por mim. Eu emerjo quando estou a fim e não posso de ser obrigada a embarcar. Quando eu estiver à caminho, saberás, pois paralisarás diante do Demônio que surgirá em meio à névoa da alvorada. Por que tremes? Por favor, que não seja de medo… Eu sou uma amiga, não está vendo? Sou a tal que guia e esguia, a que deixa o portão aberto.
Com o peito e o espaço, auxilio-te num voo de pássaro, mas mantenha-se focado; quando necessário, serás chamado. Abrirei encruzilhadas e correntezas sem saída. Por que tanto hesita? Eu sou uma amiga.
Eu não gosto de estar aqui, agachada nesta ilha
Pareço pitoresca e mítica com estes dois maníacos emplumados ao meu lado
Não gosto de cantar este trio, fatal e valioso.
Vou contar o segredo para você, para você, só para você.
Aproxime-se. Esta música é um grito de socorro: Ajude-me!
Só você, só você pode, você é único finalmente.
É uma música chata, mas funciona sempre.


ca-ra-lho! não consegui fechar minha boca desde a primeira linha. seu texto mudou a química do meu cérebro....absurda DMS
flávia!!! eu amo todos os seus textos, mas esse em específico pqp, vai ficar guardado no meu coração pra sempre